Vidraças Quebradas
Vidraças Quebradas[1]
Polícia e Segurança Comunitária
Por James Q. Wilson e George Kelling
Tradução: Marcus Vinícius de Souza Dalmarco[2]
Nos anos 70 o Estado de Nova Jersey – EUA anunciou um “Programa de Bairros Limpos e Seguros”, designado para promover a qualidade de vida da comunidade em vinte e oito cidades. Como parte deste programa, o estado proveu dinheiro para ajudar as cidades a retirarem seus policiais das viaturas e designá-los em rondas a pé. O governo e outras agências oficiais estavam entusiasmados sobre o uso de patrulhas a pé como uma forma de reduzir o crime, mas muitos chefes policiais estavam céticos. Patrulhamento a pé, em suas visões, estava muito desacreditado. Ele reduzia a mobilidade da polícia, a qual então tinha dificuldade de responder aos chamados por serviço dos cidadãos, e enfraquecia o controle central sobre os policiais que executavam tal patrulha.
Muitos policiais também não gostavam do patrulhamento a pé por diferentes razões: é um trabalho pesado, mantém os policiais no frio, na noite chuvosa, e reduz suas chances de fazerem “um bom trabalho”. Em alguns departamentos, selecionar policiais para o policiamento a pé era usado como uma forma de punição. Alguns acadêmicos especialistas em policiamento duvidaram que o patrulhamento a pé poderia ter algum impacto nas taxas criminais; ele era, na opinião da maioria, um pouco mais que um embuste para a opinião pública. Mas uma vez que o estado estava pagando por isso, as autoridades locais estavam dispostas a continuar tentando.
Cinco anos depois de o programa ter iniciado, a Police Foundation[3], em Washington DC – EUA, publicou uma avaliação do projeto de policiamento a pé. Baseada em análises de um experimento cuidadosamente controlado que fora desenvolvido principalmente em Newark, a fundação concluiu, para surpresa de quase todos, que o policiamento a pé não tinha reduzido as taxas criminais. Mas os residentes dos bairros que foram patrulhados a pé aparentemente sentiam-se mais seguros que em outras áreas, tenderam a acreditar que os crimes haviam sido reduzidos, e aparentemente tomaram alguns pequenos cuidados para protegerem-se do crime (mantendo as portas trancadas enquanto em casa, por exemplo). Mais ainda, os cidadãos das áreas que tinham policiamento a pé possuíam uma opinião mais favorável da polícia que aqueles que viviam em áreas não patrulhadas por esse tipo de policiamento; os policiais que executavam as rondas possuíam a auto-estima mais elevada, maior satisfação profissional, e atitudes mais favoráveis diante dos cidadãos de seus bairros que os policiais designados para trabalharem nas viaturas.
Essas conclusões podem ser tomadas como evidências de que os céticos estavam corretos – patrulhas a pé não possuem efeitos no crime; ela meramente engana os cidadãos dando-lhes a sensação de que estes estão seguros. Mas em nossa visão, e na visão dos autores do estudo da Police Foundation (da qual Kelling foi um deles), os cidadãos de Newark não foram exatamente enganados. Eles sabiam o que os policiais estavam fazendo, sabiam a diferença entre o que os policiais de viatura faziam, e sabiam que ter policiais fazendo patrulhas a pé, de fato tornavam suas comunidades mais seguras.
Mas como poderia uma comunidade ser “segura” quando as taxas criminais não haviam sido reduzidas – de fato, poderiam até ter subido? Encontrar a resposta requer primeiramente que entendamos o que geralmente mais aflige as pessoas nas ruas. Muitos cidadãos, lógico, são primariamente afligidas por crimes, especialmente crimes envolvendo ataques violentos de um estranho. Esse risco é muito real, em Newark e em muitas cidades grandes. Mas tendemos a omitir outra fonte de medo – o medo de ser incomodado por pessoas desordeiras. Não pessoas violentas, nem necessariamente criminosos, mas pessoas de má reputação ou barulhentos ou ainda pessoas imprevisíveis: mendigos, bêbados, viciados, adolescentes encrenqueiros, prostitutas ou perturbados mentais.
O que os policiais que executavam as rondas a pé fizeram foi elevar, na medida do que eles podiam, o nível de ordem pública nesses bairros. Embora os bairros fossem predominantemente habitados por negros e os policiais eram em sua maioria brancos, essa função de “preservação da ordem” da polícia foi executada de tal forma que alcançou satisfação geral para ambas as partes.
Um de nós (Kelling) gastou muitas horas caminhando com os policiais que executavam o policiamento a pé em Newark para verificar como eles definiam “ordem” e o que eles faziam para mantê-la. Uma das áreas era típica: uma movimentada, mas dilapidada área no coração de Newark, com muitos prédios abandonados, lojas marginais (muitas dessas mostravam destacadamente em suas vitrines facas e afiadas navalhas), uma grande loja de departamentos e, mais importante, uma estação de trem e muitas paradas de ônibus. Embora a área fosse deteriorada, suas ruas eram cheias de pessoas devido à existência de um grande centro de transporte. A boa ordem desta área era importante não apenas para aqueles que viviam ou moravam ali, mas para muitos outros que tinham que passar por ela em seus caminhos para casa, supermercados ou fábricas.
As pessoas nas ruas eram primariamente negras; os policiais que caminhavam pelas ruas eram brancos. As pessoas eram formadas de “regulares” e “estranhos”. Regulares incluíam tanto o “povo descente” quanto alguns bêbados e abandonados que sempre estavam por lá mas “sabiam seus lugares”. Estranhos eram, bem..., estranhos. E eram vistos de forma suspeita, às vezes apreensiva. O policial – chamado Kelly – sabia quem eram os regulares e esses o conheciam. Como ele sabia seu trabalho, mantinha um olho nos estranhos, e certificava-se de que os regulares de má reputação haviam observado algumas regras que eram informais, mas amplamente entendidas. Bêbados e viciados poderiam sentar-se nos degraus de escadas, mas não poderiam deitar-se lá. As pessoas poderiam beber nas ruas, mas não no cruzamento principal. As garrafas deveriam estar em sacos de papel. Conversar, perturbar ou pedir esmolas de pessoas que esperavam o ônibus em seus pontos era estritamente proibido. Se uma discussão se iniciasse entre um comerciante e um cliente, o comerciante estaria inicialmente com a razão especificamente se o consumidor fosse um estranho. Se um estranho estivesse por lá vadiando, Kelly iria perguntar a ele se ele tinha meios de se manter e qual era seu trabalho; se ele desse respostas insatisfatórias, ele era mandado a seguir o seu caminho. Pessoas que quebrassem as regras informais, especialmente aquelas que perturbavam pessoas a espera de seus ônibus, eram presas por vadiagem. Adolescentes barulhentos eram orientados a ficarem quietos.
Essas regras foram definidas e reforçadas com a colaboração dos “regulares” na rua. Um outro bairro pode ter regras diferentes, mas essas, todos entenderam, eram a regras para aquele bairro. Se alguém as violasse, os regulares não só comunicavam Kelly para ajudá-los como também ridicularizavam os violadores. Por vezes o que Kelly fez poderia ser descrito como “garantir o cumprimento da lei”, mas geralmente seu trabalho envolvia dar passos informais e extralegais para ajudar a proteger o que o bairro havia decidido que era um nível apropriado de ordem pública.
Um determinado cético poderia reconhecer que um habilidoso policial a pé pode manter a ordem mas ainda assim insistir que esse tipo de “ordem” tinha pouco a oferecer contra as reais fontes de medos da comunidade – os crimes violentos. Em certo grau, isso é verídico. Mas duas coisas devem ser mantidas em mente. Primeiramente, observadores externos não podem assumir que sabem quanto da ansiedade, que atualmente é endêmica em muitos bairros de grandes cidades, deriva de medos de crimes reais e quanto desse medo deriva de uma sensação de que a rua é desordeira, uma fonte de desagradáveis ou preocupantes encontros. As pessoas de Newark, a julgar pelos seus comportamentos e suas observações dadas aos entrevistadores, aparentemente determinaram um alto valor à ordem pública, e sentem-se aliviados e seguros quando a polícia ajuda-os a manter tal ordem.
Em segundo lugar, a nível comunitário, desordem e crime estão inextricavelmente ligados, em um tipo de seqüência de desenvolvimento. Psicólogos sociais e policiais tendem em concordar que se uma janela em um prédio é quebrada e deixada sem conserto, todas as demais janelas brevemente serão quebradas. Isso é verdade tanto em boas comunidades quanto em comunidades decadentes. A quebra de janelas não necessariamente ocorre em uma larga escala, pois algumas áreas são habitadas por determinados “quebradores de janelas” enquanto que outras são povoadas por “amigos de janelas”; especificamente, uma janela não consertada é um sinal de que ninguém liga, e então quebrar mais janelas não custa nada. (e sempre é divertido)
Philip Zimbardo, um psicólogo da Universidade de Stanford, escreveu em 1969 algumas experiências testando a teoria das vidraças quebradas. Ele arranjou para que um automóvel sem placas fosse estacionado sem o capô numa rua do Bronx, Nova York e um outro parecido em uma rua de Palo Alto, Califórnia. O carro que estava no Bronx foi atacado por vândalos em dez minutos após o seu “abandono”. Os primeiros a chegar foram uma família – pai, mãe, e um jovem filho – os quais removeram o radiador e a bateria. Em vinte e quatro horas, virtualmente tudo de valor fora removido. Então uma destruição aleatória iniciou-se – janelas foram quebradas, partes foram rasgadas, estofamentos destruídos. Crianças começaram a usar o carro como playground. Muitos dos “vândalos” adultos estavam bem vestidos e aparentemente eram brancos. O carro em Palo Alto permaneceu intocado por mais de uma semana. Então Zimbardo quebrou partes dele com uma marreta. Logo transeuntes passaram a entrar nele. Em poucas horas, o carro foi virado de pernas para o ar e totalmente destruído. Novamente os “vândalos” pareceram primariamente ser brancos respeitáveis.
Propriedade sem atenção realmente torna-se uma caça para pessoas a procura de diversão ou saqueadores e até mesmo para pessoas que geralmente nem sonham em fazer tais coisas e que se consideram seguidores da lei. Por conta da natureza da vida no Bronx – seu anonimato, a freqüência em que carros são abandonados e coisas são roubadas ou quebradas, o pensamento generalizado de que “ninguém está cuidando” – o vandalismo inicia-se muito mais rapidamente que na calma Palo Alto, onde as pessoas acreditam que propriedades privadas são cuidadas, e que comportamento maligno pode custar caro. Mas vandalismo pode ocorrer em qualquer lugar onde barreiras comuns – o senso de respeito e obrigações de civilidade – são reduzidas por ações que parecem ser um sinal de que “ninguém está cuidando”.
Sugerimos que comportamentos “sem fiscalização” também levam a diminuição dos controles comunitários. Uma comunidade estável de famílias que cuidam de seus lares, cuidam das crianças uns dos outros e não vêem com bons olhos intrusos indesejados pode tornar-se, em poucos anos ou até mesmo em poucos meses, uma hostil e ameaçadora selva. Um terreno é abandonado, mato começa a crescer, uma janela é quebrada. Adultos param de chamar a atenção de crianças briguentas; as crianças, encorajadas, ficam mais encrenqueiras. Famílias se mudam, adultos sem compromisso vêm em seu lugar. Adolescentes se agrupam em frente a lojas. O comerciante pede para que saiam dali; eles se recusam. Brigas acontecem. Lixo se acumula. Pessoas começam a beber em frente a mercearias, ao tempo em que um bêbado cai na calçada e permitem que ele durma por ali mesmo. Pedestres são abordados por pedintes.
Neste ponto é provável que crimes sérios irão florescer ou ataques violentos contra estranhos irão acontecer. Mas muitos residentes irão pensar que o crime, especialmente crimes violentos, está subindo naturalmente, portanto modificarão seu comportamento de acordo com a necessidade. Eles utilizarão as ruas com menos freqüência, e quando nelas, permanecerão separados de seus colegas, movendo-se prevenidos, em silêncio e a passos apressados. “Não se envolver” – esta será a regra. Para alguns residentes, essa auto-segregação lhes trará poucas conseqüências já que esse bairro não é seus “lares” e sim “o lugar onde eles moram”. Seus interesses estão em outros lugares; são cosmopolitas. Mas para outros residentes isso irá trazer muitas conseqüências, especialmente àqueles cujas vidas derivam satisfação de ligações locais ao invés de envolvimento global; para eles, o bairro irá deixar de existir exceto por uns poucos amigos honestos com os quais eles se dispõem a encontrar.
Tal área está vulnerável a invasão criminal. Embora não seja inevitável, é mais provável que aqui, mais que em lugares onde as pessoas têm confiança de que podem regular o comportamento público através de um controle informal, drogas irão passar de mão em mão, prostitutas irão aparecer e carros serão arrombados. Os bêbados serão roubados por jovens que fazem isso por diversão e os clientes das prostitutas serão roubados por homens que fazem isso talvez de forma violenta. Então assaltos começarão a acontecer.
Entre outros que em geral encontram dificuldades de evitar isso estão os idosos. Pesquisas de cidadãos sugerem que idosos são vítimas muito menos prováveis de crimes que os jovens, e algumas dessas conclusões vêm do bem conhecido medo do crime proclamado pelos idosos e que é entendido como exagerado: “talvez nós não devêssemos desenvolver programas especiais para proteger pessoas mais velhas; talvez devêssemos tentar esclarece-los sobre seus medos equivocados”. Este argumento não entendeu o ponto. O prospecto de um confronto com um adolescente encrenqueiro ou com um pedinte bêbado pode ser tão indutivo ao medo para uma pessoa sem defesas quanto o de um confronto com um assaltante real; na verdade, para uma pessoa sem defesas, os dois tipos de confrontos são geralmente indiferentes um do outro. Além do mais, a baixa taxa de vitimização entre idosos é uma medida dos passos que eles tomam – certamente ficando atrás de portas trancadas – para minimizar os riscos que correm. Homens jovens são mais freqüentemente atacados que uma mulher idosa, e não por que eles são alvos mais fáceis ou lucrativos, mas por que eles estão presentes nas ruas por mais tempo.
Não existe também conexão entre desordem e medo gerada exclusivamente pelos idosos. Susan Estrich, da Escola de Direito de Harvard, recentemente reuniu um grande número de pesquisas sobre medo público. Uma, feita em Portland, Oregon, indicou que três quartos dos adultos entrevistados atravessam para o outro lado da rua quando vêem uma gangue de adolescentes; uma outra pesquisa, em Baltimore, descobriu que perto da metade atravessaria a rua para evitar até mesmo um jovem estranho. Quando um entrevistador perguntou as pessoas de um conjunto habitacional onde era o ponto mais perigoso, eles mencionaram o lugar onde jovens reuniam-se para beber e tocar musicas, apesar do fato de mais de um crime terem acontecido ali. No projeto de habitação pública de Boston, o grande medo foi apresentado por pessoas que moravam onde desordens e incivilidades eram grandes – e não crimes. Saber isso, ajuda no entendimento do significado de outros aparentemente inócuos displays como grafite nos metrôs. Como Nathan Glazer escreveu, a proliferação de grafites, mesmo os não obscenos, levam o usuário ao inescapável conhecimento de que o ambiente em que ele precisa permanecer por uma hora ou mais por dia não é controlado, e que qualquer um pode invadi-lo para causar qualquer dano e prejuízo que ele possa imaginar.
Em resposta ao medo, as pessoas evitam-se umas às outras, enfraquecendo os controles. Às vezes eles chamam a polícia. Viaturas vêm, ocasionalmente uma prisão é feita, mas os crimes continuam a acontecer e a desordem não é diminuída. Os cidadãos reclamam para o chefe de polícia, mas ele explica que seu departamento possui um efetivo pequeno e que a justiça não pune pequenos ofensores ou criminosos primários. Para os residentes, a polícia que chega em viaturas ou são inefetivos ou descomprometidos; para a polícia, os residentes são animais que merecem uns aos outros. Os cidadãos podem logo deixar de chamar a polícia, pois eles “não podem fazer nada”.
O processo que chamamos de decadência urbana vem ocorrendo por séculos em todas as cidades. Mas o que está acontecendo atualmente é diferente em pelo menos dois diferentes aspectos. Primeiramente, no período anterior a 2ª Guerra Mundial, os moradores das cidades – devido ao custo financeiro, dificuldades de transporte e conexões religiosas e familiares – raramente poderiam mudar-se para evitar problemas da comunidade. Quando aconteciam movimentos, esses tendiam a ser dentro de linhas de transportes públicos. Agora a mobilidade se tornou excepcionalmente fácil para todos, mas não para os mais pobres ou aqueles que sofrem preconceitos raciais. Logo ondas de crime desenvolveram uma espécie de mecanismo embutido de autocorreção: a determinação de um bairro ou comunidade de reassumir o controle em suas áreas. Áreas em Chicago, Nova York e Boston iriam experimentar guerras entre gangues e então a normalidade retornaria assim que as famílias que não possuíam residências alternativas foram exigir suas autoridades sobre as ruas.
Em segundo lugar, a polícia no inicio ajudou nessa reafirmação de autoridade agindo, às vezes violentamente, em nome da comunidade. Jovens violentos foram atacados, pessoas foram presas “por serem suspeitas” ou por vadiagem, prostitutas e pequenos ladrões foram afugentados. “Direitos” era algo que somente as pessoas corretas poderiam usufruir, e às vezes pelos criminosos profissionais que evitavam violência e poderiam contratar um advogado.
Esse padrão de policiamento não foi uma aberração ou o resultado de excessos ocasionais. Nos primeiros anos da nação, a função da polícia era vista primariamente como a de um vigia noturno: manter a ordem contra as principais ameaças à ordem – fogo, animais selvagens e comportamentos mal vistos. Resolver crimes não era encarado como uma responsabilidade da polícia mas sim uma responsabilidade privada. Em março de 1969, um de nós (Wilson) escreveu no Atlantic[4] uma breve consideração de como o papel da polícia foi vagarosamente mudado de “manter a ordem” para “lutar contra o crime”. A mudança iniciou com o aparecimento de detetives particulares (geralmente ex-criminosos), que trabalhavam com recompensas de indivíduos que sofreram perdas. Naquele tempo, os detetives eram usados também em agências municipais e recebiam um salário regular simultaneamente. A responsabilidade de processar ladrões foi mudada do cidadão ofendido para um promotor profissional. Este processo não foi completado em muitos lugares até o século vinte.
Nos anos 60, quando a perturbação da ordem pública era um grande problema, cientistas sociais começaram, cuidadosamente a explorar a função de preservação da ordem pela polícia e a sugerir formas de melhorias – não de deixar as ruas seguras (sua função original), mas de reduzir os incidentes de violência massiva. A preservação da ordem pública passou, em certo grau, a significar “relações comunitárias”. Mas como a onda de crimes que havia iniciado nos anos 60 continuou a crescer entrando na década de 70, as atenções mudaram para o papel da polícia para que ela combatesse o crime. Estudos sobre o comportamento policial cessaram, em geral, da função manutenção da ordem e direcionaram-se a propor e testar formas segundo as quais a polícia poderia resolver mais crimes, fazer mais detenções, ou colher melhores evidencias. Se essas coisas pudessem ser feitas, os cientistas sociais assumiram que os cidadãos poderiam sentir-se com menos medo.
Algo aconteceu durante essa transição – tanto chefes de polícia quanto experts de outras áreas enfatizaram a função combater o crime em seus planos na alocação de seus recursos, suas estratégias e recursos humanos. A polícia talvez tenha vindo a ter sucesso no combate ao crime como resultado de seus esforços. E indubitavelmente eles se mantiveram conscientes de suas responsabilidades pela ordem pública. Mas o link entre preservação da ordem e prevenção ao crime, tão obvio para as gerações anteriores, fora esquecido.
Esse link é similar ao processo no qual a uma janela quebrada, muitas outras a sucedem. O cidadão que teme o bêbado mau cheiroso, o adolescente encrenqueiro ou o mendigo importunador, não está apenas expressando seu desgosto por um comportamento inadequado; ele está também dando um pequeno recado para as pessoas de bom senso do que acontece no que parece ser uma correta generalização – ou seja, que crimes sérios florescem em áreas onde comportamentos desordeiros ficam sem cuidados. O pedinte é, em verdade, a primeira janela quebrada. Assaltantes e ladrões, se oportunistas ou profissionais, acreditam que reduzem suas chances de serem presos ou mesmo identificados se operarem nas ruas onde suas vitimas potenciais já estão intimidadas por condições prevalecedoras. Se o bairro não consegue manter o impertinente pedinte longe de importunar os transeuntes, o ladrão pode concluir que é muito menos provável que chamarão a polícia para identificar um potencial assaltante ou interfira se um assalto estiver em andamento.
Alguns administradores policiais aceitam que esse processo realmente ocorra, mas argúem que patrulhas motorizadas podem lidar com isso tão efetivamente quanto policiais que efetuam o policiamento a pé. Nós não estamos tão certos. Em teoria, um policial em uma viatura pode observar tanto quanto um policial a pé; em teoria o primeiro pode falar com tantas pessoas quanto o segundo. Mas a realidade dos encontros entre policiais e cidadãos é extremamente alterada pelo automóvel. Um policial a pé não pode separar a si mesmo das pessoas nas ruas; se ele for abordado, apenas seu uniforme e sua personalidade podem ajuda-lo a gerenciar o que está a acontecer. E ele nunca terá certeza do que pode ser – um pedido de informações, um pedido de ajuda, uma denúncia inflamada, uma observação provocadora, um murmúrio confuso, um gesto ameaçador.
Em um carro, um policial é mais provável que lide com pessoas na rua baixando a janela do carro e olhe para elas. A porta e a janela excluem a abordagem do cidadão; elas são barreiras. Alguns policiais tiram vantagem desta barreira, talvez inconscientemente, ao agir de forma diferente no carro de que se estivessem a pé. Temos visto isso incontáveis vezes. A viatura da polícia alcança a esquina onde um grupo de adolescentes está reunido. A janela é baixada. O policial fita os jovens. Eles o encaram. O policial diz a um deles, “vem cá”. Ele vagarosamente passa por seus amigos com seu providencial estilo casual para dar a impressão de que ele não se sente intimidado pela autoridade. “Qual teu nome?” “José” “José do quê?” “José da Silva” “Que tu está fazendo aí Zé?” “Nada” “Qual é tua treta?” “Eu tô limpo” “Tens certeza?” “Sim” “Vê se não apronta nada aí Zé”. Enquanto isso os outros jovens riem e trocam comentários entre si, provavelmente às custas do policial. O policial os encara severamente. Ele não tem certeza do que eles estão falando nem pode ir se juntar a eles e, mostrando suas próprias habilidades em ironias de rua, prova que não pode ser “subjugado”. No processo, o policial aprendeu quase nada, e os garotos decidiram que o policial é uma força alienígena que pode seguramente ser tratado de forma indiferente e até mesmo ridicularizado.
Nossa experiência diz que a maioria dos cidadãos gosta de falar com um policial. Tais conversas dão a eles um sentimento de importância, os provêm com informações para fofocas, e permite a eles explanarem às autoridades o que os preocupa (explanação que dá a eles um modesto mas significante sentimento de que “fizeram algo” a respeito do problema). Você aborda uma pessoa a pé mais facilmente, e fala com ela com mais prazer do que com uma pessoa em um carro. Mais ainda, você pode ter um pouco mais de anonimato se você puxar um policial para um canto para uma conversa mais privada. Suponha que você queira passar uma dica de quem está furtando bolsas, ou quem tenha lhe oferecido uma TV roubada. Nas áreas pobres das cidades, o culpado, provavelmente mora por perto. Caminhar até uma viatura caracterizada e debruçar-se em uma janela é transmitir um sinal visível de que você é um delator.
A essência do papel da polícia em manter a ordem é reforçar os mecanismos de controle informal da própria comunidade. A polícia não pode, sem comprometer recursos extraordinários, fornecer um substitutivo para o controle informal. Por outro lado para reforçar essas forças naturais a polícia precisa favorecê-las. E aí está o problema.
Deve a atividade policial ser moldada nas ruas, de forma significativa, por padrões da comunidade ao invés de moldada pelas regras do Estado? Nas últimas duas décadas a mudança da polícia de preservação da ordem para cumprimento da lei a colocou sob a influência de restrições legais, provocadas por reclamações da mídia e reforçadas por decisões de tribunais e ordens internas. Como conseqüência, as funções de preservação da ordem da polícia são agora governadas por regras desenvolvidas para controlar as relações policiais com suspeitos criminais. Cremos que isto é uma evolução completamente nova. Durante séculos, o papel do policial como sentinela foi julgado primariamente não em termos de procedimentos adequados, mas sim em termos de chegar-se aos objetivos desejados. O objetivo era a ordem; um termo essencialmente ambíguo, mas uma condição que as pessoas em uma certa comunidade reconheciam-na quando assim dissessem que era. Os significados eram aqueles que a comunidade utilizava, se seus membros eram suficientemente determinados, corajosos e com autoridade. Detectar e apreender criminosos, em contraste era um meio para o fim, não o fim em si mesmo; um veredicto de um inocente ou culpado era o desejado – como um resultado legal – da aplicação da lei. Da ordem, era esperado da polícia que seguisse as regras definindo esse processo, apesar de os estados diferenciarem-se em quão severas as regras deveriam ser. A apreensão criminal era sempre considerada para envolver direitos individuais, a violação dos quais era inaceitável pois significava que o policial estaria agindo como juiz e júri – e esse não era seu trabalho. Ser culpado ou inocente era determinado por padrões universais de certos procedimentos.
Ordinariamente, nenhum juiz ou júri vê pessoas sendo pegas em uma disputa sobre os níveis apropriados de ordem em uma comunidade. Isso é verdade não só por que muitos casos são tratados informalmente na rua, mas também porque padrões universais não estão disponíveis para acomodar argumentos sobre desordem; então um juiz não pode ser mais sábio ou mais efetivo que um policial. Até recentemente em muitos Estados, e mesmo atualmente em alguns lugares, a polícia faz prisões sob acusações de “pessoas suspeitas” ou por “vadiagem” ou ainda por “embriaguez em local público” – acusações quase sempre sem fundamento legal. Essas acusações não existem por que a sociedade quer julgar e punir vadios ou bêbados, mas por que ela quer que um policial tenha ferramentas legais para remover pessoas indesejáveis de uma comunidade quando esforços informais para preservar a ordem nas ruas falharam.
Uma vez que começamos a pensar todos os aspectos do trabalho policial como envolver a aplicação de regras universais sob procedimentos especiais, inevitavelmente perguntaremos o que é uma “pessoa indesejada” e por que deveríamos “criminalizar” a vadiagem ou a embriaguez. Um forte e recomendável desejo de ver que as pessoas sejam tratadas de forma justa nos preocupa sobre como permitir que a polícia afaste pessoas que sejam indesejáveis com base num conceito vago. Um crescente e não tão recomendável utilitarismo leva-nos a uma dúvida de que qualquer comportamento que não “agrida” outra pessoa deve ser considerado ilegal. E então muitos de nós que vigiamos as ações da polícia seremos relutantes em permitir a desenvolver, na única forma que eles podem, uma função que toda comunidade desesperadamente quer que eles desenvolvam.
Esse desejo de “descriminalizar” comportamentos de má reputação que “não gera dano a ninguém” – e assim remover a sanção elementar que a polícia pode empregar para manter a ordem em uma comunidade – é, cremos, um erro. Prender um único bêbado ou um único vadio que tenha gerado algum dano a alguém não identificável parece injusto, e de certa forma é. Mas deixar de fazer qualquer coisa a respeito de uma dúzia de bêbados ou de uma centena de vadios pode destruir uma comunidade inteira. Uma regra particular que parece fazer sentido para um caso particular, não o faz quando queremos entendê-la como uma regra universal e aplicá-la em todos os casos. Não faz sentido pois ela falha em não levar em conta a conexão entre uma janela quebrada deixada sem atenção e cem janelas quebradas. É claro que outras agências além da polícia podem atender problemas causados por bêbados ou doentes mentais, mas na maioria das comunidades – especialmente naquelas onde o movimento de “desinstitucionalização” vem sendo forte – essas agências não fazem nada a respeito.
A preocupação a respeito de equidade é mais séria. Devemos concordar que certos comportamentos fazem uma pessoa mais indesejada que outra, mas como poderemos estar certos de que a idade ou a cor da pele ou a origem étnica ou maneirismos inócuos não serão utilizados como base para se distinguir um comportamento indesejável do desejável? Como podemos garantir que a polícia, em suma, não virá a ser “a agente” de uma comunidade invejosa?
Não podemos oferecer uma resposta absolutamente correta para esta questão. Não estamos certos de que há uma resposta satisfatória exceto que através de seleção, treinamento e supervisão, a polícia irá inculcar em seus membros um claro senso do limite de seu poder discricionário. O limite, a grosso modo, é este – a polícia existe para ajudar a regular o comportamento e não para manter o puritanismo racial ou étnico de uma comunidade.
Considere o caso do Robert Taylos Homes[5] em Chicago, onde moram aproximadamente 20.000 pessoas, todas negras que se estende por noventa e dois acres ao longo da rua South State. Esse conjunto levou esse nome depois que um negro muito distinto, que nos anos 40, foi o presidente da Chicago Housing Authority[6]. Pouco depois de iniciados os trabalhos, em 1962, as relações entre os moradores participantes do projeto e a polícia havia se deteriorado muito. Os cidadãos sentiam que a polícia era insensível ou brutal; a polícia por sua vez, reclamava de ataques não provocados. Alguns policiais de Chicago narraram que algumas vezes tinham medo de entrar nos conjuntos habitacionais. As taxas criminais subiram às alturas.
Hoje, a atmosfera no local mudou. A relação entre policiais e cidadãos melhorou – aparentemente ambos os lados aprenderam algo sobre a experiência passada. Recentemente um garoto roubou uma bolsa e fugiu. Muitos jovens que viram o ladrão repassaram para a polícia informações sobre a identidade e a residência do mesmo, e fizeram isso publicamente, com amigos e vizinhos olhando. Mas problemas persistiam, especialmente a presença de gangues juvenis que aterrorizavam os residentes e recrutavam membros no conjunto habitacional. As pessoas esperam que a polícia “faça algo” sobre isso, e a polícia está determinada a fazer apenas isso.
Mas fazer o quê? Apesar de a polícia poder fazer prisões sempre que um membro da gangue quebre a lei, uma gangue pode se formar, recrutar e reunir-se sem quebrá-las. E apenas uma pequena fração de crimes relacionados com gangues pode ser solucionada através de prisões; assim, se uma prisão é o único recurso da polícia, o medo dos moradores sairá de controle. A polícia logo se sentirá inútil, e os moradores, novamente acreditarão que a polícia “não faz nada a respeito”. O que a polícia de fato faz é perseguir membros de gangues de fora do conjunto habitacional. Nas palavras de um policial, “nós os chutamos”. Os moradores do conjunto não só sabem quanto aprovam isso. A tática da aliança entre a polícia e moradores no conjunto é reforçado pela visão da polícia de que policiais e gangues são duas fontes rivais de poder numa área, e que as gangues não irão vencer.
Nada disto é facilmente reconhecido em qualquer concepção do devido processo legal ou de um tratamento justo. Uma vez que tanto os residentes quanto os membros das gangues são negros, a raça não é um fator determinante nos conflitos. Mas poderia ser. Suponhamos que num conjunto habitacional de brancos os membros de uma gangue sejam negros, ou vice versa. Ficaríamos apreensivos sobre qual lado a polícia iria tomar. Mas o problema substancial permanece o mesmo: como a polícia pode reforçar os mecanismos naturais de controle social das comunidades a fim de minimizar o medo em locais públicos? Aplicação da lei em si não é uma resposta: uma gangue pode enfraquecer ou destruir uma comunidade permanecendo lá com um comportamento ameaçador e falando rudemente aos transeuntes sem quebrar a lei.
Encontramos dificuldade em pensar em tais assuntos, não simplesmente por que motivos éticos ou legais são tão complexos, mas por que estamos acostumados a pensar na lei em termos essencialmente individuais. A lei define meus direitos, pune o seu comportamento e é aplicada por aquele policial por causa deste dano. Nós entendemos, pensando desta forma, que o que é bom para o indivíduo será bom para a comunidade e o que não importa quando algo acontece a uma pessoa não importa para vários. Via de regra essas são suposições plausíveis. Mas em casos onde o comportamento que é tolerável para uma pessoa não o é para muitas outras, a reação desses outros – medo, retiradas, fugas – pode em última instância ter importância negativa para qualquer um, inclusive para o indivíduo que inicialmente manifestara sua indiferença.
Provavelmente, é devido a uma maior sensitividade comunitária em oposição às necessidades individuais que ajuda a explicar por que os moradores de pequenas comunidades são mais satisfeitos com suas polícias do que os residentes de bairros similares em grandes cidades. Elinor Ostrom e seus colaboradores da Universidade de Indiana compararam a percepção dos serviços policiais em duas regiões pobres e de maioria negra em Illinois - USA - Phoenix e East Chicago Heights com três comparáveis comunidades em Chicago. O nível de vitimização criminal e a qualidade das relações entre polícia e comunidade pareceram ser quase as mesmas nas duas regiões e em Chicago. Mas os cidadãos que viviam nas primeiras localidades tendiam muito menos a dizerem que ficavam trancados em casa por medo que aqueles que viviam em Chicago e a concordarem que a polícia “tem o direito de tomar qualquer ação necessária” para lidar com problemas e ainda a concordar que a polícia “observa as necessidades do cidadão comum”. É possível que os moradores e a polícia das pequenas localidades vêem a si como parceiros engajados em um esforço colaborativo para manter certos padrões de vida comunitária enquanto que aqueles das grandes cidades sentem-se simplesmente requerentes e fornecedores de serviços particulares prestados individualmente.
Se isso é verdade como pode um sensato chefe de polícia operacionalizar suas escassas forças? A primeira resposta é que ninguém sabe ao certo se o mais prudente curso de ação é tentar variantes do experimento de Newark, para saber o que mais precisamente funciona em que tipo de comunidade. A segunda resposta é também uma proteção – muitos aspectos da preservação da ordem em comunidades podem provavelmente ser mais bem encaminhados em formas que envolvam a polícia minimamente. Um movimentado shopping center e um calmo e bem cuidado subúrbio podem quase prescindir da presença policial. Em ambos os casos, a proporção de pessoas respeitáveis para as desordeiras é normalmente tão alta que faz com que o controle social informal seja efetivo.
Mesmo em áreas que estão sob o risco de elementos desordeiros, a ação de cidadãos sem envolvimento substancial da polícia pode ser suficiente. Encontros entre adolescentes que gostam de se exibir em determinada esquina e adultos que querem utilizar a mesma, podem levar a um acordo amigável de certas regras sobre quantas pessoas podem se encontrar, em que local e quando podem fazê-lo.
Quando nenhum entendimento é possível – ou se possível, não observado – patrulhas de cidadãos podem ser uma resposta suficiente. Existem duas tradições de envolvimento comunitário em preservação da ordem: uma, que é o “sentinela comunitário”, é tão antiga quanto o primeiro assentamento no Novo Mundo. Até o século dezenove, sentinelas comunitários, não policiais, patrulhavam suas comunidades para manter a ordem. Eles o faziam, em geral, sem ter a lei em suas ações – sem punir as pessoas ou usando a força. Sua presença dissuadia a desordem ou alertava a comunidade de que a desordem não poderia ser detida. Existem centenas de esforços nessa direção em comunidades ao redor da nação atualmente. Talvez os mais conhecidos sejam os Guardian Angels, que são um grupo desarmado de jovens pessoas com chapéus e camisetas distintivos, que primeiro chamaram a atenção do público quando começaram a patrulhar os metrôs de Nova York e que atualmente possuem filiais em mais de trinta cidades americanas. Infelizmente temos poucas informações sobre o efeito desses grupos no crime. É possível porém que não importe seus efeitos nos crimes pois os cidadãos acham sua presença tranqüilizadora e que eles contribuem para manter o senso de ordem e civilidade.
A segunda tradição é a do “vigilante”. Uma característica rara nas comunidades do leste que foi primariamente encontrada nas cidades fronteiriças e que vieram a fazer parte do governo. Sabe-se que existiram mais de 350 grupos de vigilantes; sua característica distintiva era que seus membros tomaram as leis em suas mãos agindo como juízes, júris, e freqüentemente executores, tal qual policiais. Atualmente o movimento vigilante é ressaltado pela sua raridade, a despeito do grande medo expressado por cidadãos de que as antigas cidades estão se tornando “fronteiras urbanas”. Mas alguns grupos de sentinelas comunitários ultrapassaram seus limites e outros podem ainda fazê-lo no futuro. Um caso ambíguo foi reportado pelo Wall Street Journal envolvendo uma patrulha de cidadãos na área de Silver Lake em Belleville, Nova Jersey. Um dos lideres disse ao repórter que “estavam à procura de forasteiros”. Se alguns adolescentes de fora da comunidade entrar eles “perguntam-lhes o que estão fazendo ali”. Se eles respondem que estão descendo a rua para encontrar com o Sr João, tudo bem, eles os deixam passar. Mas ainda assim eles os seguem até seu apartamento para ter certeza de que estão realmente indo ver o Sr João.
Embora os cidadãos possam fazer um grande trabalho, a polícia é claramente a chave para a preservação da ordem. Em primeiro lugar, muitas comunidades, como a Robert Taylor Homes, não podem fazer o trabalho por si próprias. E em segundo, nenhum cidadão em uma comunidade, mesmo em uma organizada, tende a possuir senso de responsabilidade a ponto de carregar um estigma desses (de ser responsável por “fazer algo”). Psicólogos fizeram muitos estudos sobre porque as pessoas falham em ir ajudar pessoas sendo atacadas ou procurando ajuda, e eles aprenderam que a causa não é “apatia” ou “egoísmo” mas a falta de bases plausíveis de que alguém precisa aceitar a responsabilidade. Ironicamente, evitar a responsabilidade é mais fácil quando muitas pessoas estão por perto. Nas ruas e em locais públicos, onde a ordem é tão importante, muitas pessoas provavelmente “estão por perto”, um fato que reduz as chances de qualquer pessoa agir como um agente da comunidade. O uniforme policial seleciona-o como uma pessoa que obrigatoriamente deve aceitar a responsabilidade se necessário. Em adição, policiais mais facilmente que seus parceiros cidadãos, são esperados que distingam entre o que é necessário ser feito para proteger a segurança das ruas e o que é meramente proteger o puritanismo étnico.
Mas as forças policiais da América estão perdendo, e não ganhando, membros. Algumas cidades têm sofrido cortes substanciais no número de policiais disponíveis para o serviço. Esses cortes não tendem a ser revertidos em um futuro próximo. Então cada departamento precisa alocar seus policiais com grande cuidado. Algumas comunidades estão tão desmoralizadas e com crime ascendente que fazem das patrulhas a pé inúteis; o melhor que a polícia pode fazer com recursos limitados é responder ao enorme número de chamadas de serviço. Outras comunidades são tão estáveis e serenas que fazem o patrulhamento a pé ser desnecessário. A chave para identificar comunidades que necessitem desse policiamento é resumidamente onde a ordem pública está deteriorada mas não impossível de ser reclamada, onde as ruas são freqüentemente utilizadas mas por pessoas apreensivas; onde uma janela pode ser quebrada a qualquer momento e precisa ser consertada rapidamente para que as outras não sejam quebradas na seqüência.
Muitos departamentos de polícia não possuem formas de, sistematicamente, identificar tais áreas e de designar policiais para elas. Policiais são designados baseados nas taxas criminais (significando que áreas marginais ameaçadas geralmente são deixadas de lado para que a polícia possa investigar crimes em áreas onde a situação já saiu do controle) ou baseados nas chamadas pelo serviço (apesar do fato de que a maioria dos cidadãos não chama a polícia quando se sentem meramente ameaçados ou incomodados). Para alocar o patrulhamento de forma sensata, o departamento deve necessariamente olhar para as comunidades e decidir, através de evidências de primeira mão, onde um policial extra fará uma maior diferença em promover a sensação de segurança.
Uma forma de aumentar os limitados recursos policiais está sendo testada em alguns projetos de moradia pública. Organizações de moradores têm contratado policiais de folga para serviços de patrulha em seus prédios. Os custos não são altos (ao menos não por residente), o policial gosta da renda adicional, e os moradores sentem-se seguros. Tais arranjos têm provavelmente mais sucesso que a contratação de guardas privadas, e o experimento de Newark ajuda-nos a entender por quê. Um guarda de segurança privado pode deter o crime ou más condutas pela sua presença, e ele pode vir a ajudar pessoas que necessitam, mas ele pode não intervir de forma correta – isto é, controlar ou mandar embora alguém desafiando os padrões da comunidade. Ser um policial juramentado – um “policial de verdade” – parece dar segurança a ele; o senso de obrigação e a aura de autoridade necessária para executar as difíceis tarefas inerentes à profissão.
Policiais de patrulha poderiam ser encorajados a irem a estações de transporte público e quando nos pontos ou nos transportes, reforçarem as regras sobre fumar, beber, condutas desordeiras e afins. O reforçamento precisa envolver nada mais que expulsar o ofensor (a ofensa, afinal, não é algo com que o cobrador ou um juiz deseja ser incomodado). Talvez a randômica mas implacável preservação de padrões em ônibus pode conduzir os níveis de civilidade nesses locais aos níveis que são utilizados hoje com naturalidade em aviões.
Mas o mais importante requisito é pensarmos que preservar a ordem em situações precárias é um trabalho vital. A polícia sabe que essa é uma de suas funções, e ela também acredita, corretamente, que isso não pode ser feito às custas da exclusão da investigação criminal e respostas às chamadas. Talvez tenhamos encorajado-a a supor, todavia, sob a base de nossa freqüentemente repetida preocupação sobre crimes sérios e violentos, de que serão julgados exclusivamente sobre suas capacidades como combatentes ao crime. Pela extensão deste ensaio, acreditamos que administradores policiais irão continuar a concentrar seu pessoal em áreas de alta incidência criminal (embora em áreas não necessariamente mais vulneráveis à invasão criminal), enfatizar seus treinamentos na lei e na apreensão criminal (e não em treinamentos em gerenciamento da vida nas ruas), e engajar rapidamente em campanhas para descriminalizar “comportamentos inofensivos” (embora embriaguez pública, prostituição nas ruas e displays pornográficos possa destruir uma comunidade mais rapidamente que um time de assaltantes profissionais).
Acima de tudo, devemos retornar a nossa visão abandonada há muito de que a polícia deveria proteger comunidades tanto quanto indivíduos. Nossas estatísticas criminais e pesquisas de vitimização mensuram perdas individuais, mas não mensuram perdas comunitárias. Da mesma forma que médicos reconhecem a importância de estimular a saúde ao invés de simplesmente tratar as doenças, a polícia – e o resto de nós – deveríamos reconhecer a importância de preservarmos, intactas, as comunidades sem janelas quebradas.
[1] The Atlantic Monthly; Março 1982; Broken Windows; Volume 249, No. 3; pg. 29-38.
[2] 2º Tenente PMSC Mat 924682-7
[3] A Police Foundation é uma fundação independente Norte Americana que visa inovação e melhorias em policiamento, garantindo que seja mantida a ligação entre a polícia e o público que ela serve.
[4] Atlantic Monthly Magazine é uma revista mensal de circulação nacional nos Estados Unidos.
* O nome original “Chuck” fora alterado pelo tradutor para que o significado do texto se inserisse no cotidiano brasileiro.
[5] O Robert Taylor Home é um dos maiores projetos de moradia públicas nos Estados Unidos.
[6] Chicago Housing Authority é a secretaria responsável pelas habitações públicas naquela cidade.