Nota de repúdio
A Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares do Estado do Paraná - ASSOFEPAR, por decisão dos seus Conselheiros, vem a público manifestar-se em relação ao texto publicado no Jornal Gazeta do Povo, no dia 31/10/2016, intitulado: “Desmilitarização da PM, um debate mais do que necessário”, de autoria do delegado da Polícia Civil do Paraná, Pedro Filipe C. C. de Andrade.
Quanto ao citado texto, em pelo menos uma parte somos levados a concordar com o autor: “no Brasil, esse debate tem sido permeado de muita hipocrisia, demagogia e desinformação [...]”. Causa estranheza ler um texto produzido por um delegado da Polícia Civil, em início de carreira que, em virtude disso, não tem ainda noção plena do que é a sua própria instituição e dos sérios problemas que ela enfrenta, julgar-se em condições de desmerecer a Polícia Militar e seu efetivo, ainda mais, baseando-se em fatos isolados, descontextualizados, afirmações levianas e interpretações equivocadas a respeito de temas que desconhece.
Criticando a Polícia Militar, deixa de considerar os diferentes e graves males que assolam a sua própria Instituição. Seria “mais do que necessário”, por exemplo, que o delegado se dispusesse a trabalhar para elevar o índice de resolutividade de crimes no Paraná, que, aliás, é baixíssimo. Poderia também se debruçar para resolver os problemas relacionados à corrupção, violação de direitos humanos e desvios de conduta, que acontecem na sua própria Corporação. Diversos casos poderiam aqui ser citados, indicando inclusive a recorrência de tais mazelas, muitas das quais somente são descobertas por trabalhos conduzidos pelo Ministério Público.
Seria “mais do que necessário”, que o autor se dedicasse a entender: por que na maioria dos municípios paranaenses não existem delegados; por que a vida da população destas localidades prossegue normalmente mesmo nessa condição; por que a categoria entra em greve e termina a greve sem que a população perceba qualquer diferença; por que a sua instituição, sendo de natureza investigativa, utiliza viaturas caracterizadas, equipes uniformizadas e cria grupos em várias de suas Unidades com características e estéticas militares; por que muitas vítimas de estupro, roubos e furtos não procuram a polícia investigativa para denunciar, enquanto a Polícia Militar recebe milhares de ligações por dia; por que a população clama pela presença da Polícia Militar e pelo aumento do seu efetivo, em todos os lugares do país; por que a Polícia Militar sobrevive e se desenvolve, mesmo sendo atacada há décadas por pseudointelectuais, alguns dos quais utilizam da mídia para propagar suas ideias infundadas, por motivos inconfessáveis. Seria importante ainda, que o autor avaliasse se a sua instituição, por não ter investidura militar, torna os seus integrantes mais dedicados, mais confiáveis, mais honestos, mais educados, mais eficientes e mais próximos da população.
O referido delegado faz menção, também, a uma “casta de privilegiados dentro do militarismo, que não querem perder suas regalias institucionalizadas”. Deixa de mencionar, porém, quais seriam esses “privilegiados” e quais seriam os “privilégios institucionalizados”. Caso tivesse feito, poderia ser realizada uma comparação com a classe dos delegados, que já no início de carreira percebe um dos maiores salários dentro da Polícia Civil e de toda a estrutura da segurança pública. Poderia ser demonstrado que grande parte dos delegados se aposenta no último nível. Que a Polícia Civil tem efetivo total que corresponde aproximadamente a 20% do efetivo da Polícia Militar e que, mesmo assim, o número de delegados no mais elevado nível da carreira, é mais que o dobro do número de Militares Estaduais no último posto.
Também sobre essa questão, será que o delegado teve a preocupação de consultar a classe dos investigadores, que são aqueles que realmente realizam as investigações, e a classe dos escrivães, que são aqueles que realmente elaboram os inquéritos, os autos de prisão em flagrante e realizam as demais funções cartoriais? Esses profissionais saberão indicar, com conhecimento de causa, qual é a “casta de privilegiados”.
Seria ainda, “mais do que necessário”, que o autor do texto enfrentasse o tema que de fato implicará em aumento da efetividade do sistema policial brasileiro em prol da sociedade: a adoção do ciclo completo para todas as polícias. Aliás, o único país do mundo que insiste em manter esse modelo ultrapassado, de duas meias polícias, é o Brasil. Nesse sistema equivocado, nem a Polícia Civil nem a Polícia Militar fazem o trabalho policial completo. Uma começa e não termina; a outra procura terminar o que não começou. O resultado é previsível até mesmo para o público leigo: baixíssimos níveis de resolução de crimes.
Fato é que no mundo inteiro há dezenas de polícias com regime jurídico militar. Como exemplos, podem ser citadas polícias que atuam no Canadá, na França, na Itália, na Holanda, na Bélgica, em Portugal, na Espanha, no Chile, na Argentina, em Israel, em Mônaco, na China, no Vaticano e até mesmo nos Estados Unidos da América. Todas elas realizam o ciclo completo de polícia. Empregam proporcionalmente efetivos menores que aqueles empregados no Brasil para investigação criminal, e alcançam níveis de resolutividade de crimes muito maiores que os alcançados pelas polícias investigativas brasileiras.
Concluindo, verifica-se que no Brasil, o debate contrário à investidura militar da polícia ostensiva e ao seu regime jurídico, de fato “tem sido permeado de muita hipocrisia, demagogia e desinformação”.
Curitiba, PR, 3 de novembro de 2016.
ASSINADO NO ORIGINAL
Coronel PM RR Izaías de Farias,
Presidente da ASSOFEPAR.