Ciclo completo de perseguição criminal de polícia no brasil
Temos visto, presenciado e participado, ao longo das últimas décadas no Brasil, das polêmicas em torno da segurança pública. Várias são as teses e linhas de discussão. Algumas coerentes, outras nem tanto. Algumas realmente querem enfrentar o problema de maneira concreta outras, no entanto, somente giram em torno de fórmulas irreais sem quaisquer condições concretas de serem colocadas em prática, pois o tema é complexo e está entre as maiores demandas atuais da sociedade, e bem por isso terreno fértil para oportunistas conseguirem seus momentos de glória com espaço precioso no cenário nacional. Dentre esses oportunistas é de se destacar: “falsos especialistas; desavisados políticos e até parcela também desavisada da sociedade civil e de alguns profissionais da polícia que levados pelos primeiros acabam “embarcando” em falsos modelos em discussão, sem no entanto contribuir para, como já mencionado, a condução real para o encaminhamento de possíveis soluções do problema.
Geralmente vemos discussões acerca do modelo de polícias ou então de unificação delas, dentre outras que na realidade são “panos de fundo” sem levar em conta aquilo que realmente impacta o cidadão, ou seja, ele (o cidadão) quer ver suas demandas atendidas com celeridade, com economia de meios desburocratizando a solução da referida demanda quando se trata de sua segurança como membro da sociedade.
Nesse sentido está ganhando corpo no Brasil, a discussão acerca da expansão da adoção do Ciclo Completo de Polícia na persecução criminal, isto por que hoje é de fácil constatação que o atual modelo de “meias polícias” prejudica ainda mais a já combalida investigação criminal e impõe ao cidadão que se socorre dos serviços policiais uma revitimização, em razão das limitações e formalismos que hoje cercam o atendimento policial, burocratizando esse atendimento ao cidadão.
O modelo de “meias polícias” tornou-se uma armadilha e impediu (e impede) a modernização policial frente à modernização das práticas criminosas, bem como (como já mencionado) o atendimento célere ao cidadão, principalmente nas grandes cidades. As polícias de função judiciária (de apuração das infrações penais) passaram a necessitar de mais recursos humanos e materiais para fazer mais do mesmo, com maior concentração do esforço nas tarefas burocráticas em detrimento da verdadeira apuração dessas infrações penais, e como todos sabemos não se muda nada nem melhora o atendimento de demandas reprimidas continuando fazendo sempre as mesmas coisas, ainda mais procedimentos anacrônicos com posturas antigas que não mais se coadunam com a modernidade.
Enquanto a média mundial é de cerca de13% de policiais destinados à investigação em relação aos policiais uniformizados, no Brasil esse número chega a cerca de 30% de pessoal nas Polícias Civis em relação às Polícias Militares, com taxas absurdamente baixas de elucidação de infrações penais (crimes), principalmente nos de roubo e furto (não passam de 5% em média).
Esse modelo também produz uma alta taxa de cifra oculta (casos que não chegam ao conhecimento da polícia), pois em sua maioria exige que a vítima procure a Polícia Civil ou Federal para o devido registro burocratizando o atendimento de sua demanda.
Pequenas infrações e pedidos de auxílio chegam a consumir até 80% do tempo da polícia, mesmo em locais de alta incidência criminal[1]. Em Belo Horizonte pesquisa realizada identificou que 90% das ocorrências atendidas pela Polícia Militar não constituíam delitos graves[2], e pelo que se acompanha na própria mídia nacional outras regiões do país possuem índices senão iguais muito parecidos com esses.
Em todo o mundo a regra existente de atuação policial nos crimes é a de que se todos os elementos para sua caracterização já se reúnem no local do fato (especialmente materialidade e autoria), principalmente naqueles mais simples, o próprio policial uniformizado toma as providências no local para encaminhamento ao Poder Judiciário, mesmo naqueles países que possuem uma polícia de natureza militar e outra civil, como França, Itália, Holanda, Espanha, Portugal e Argentina, ou mesmo os Estados Unidos da América com suas mais de 18 mil agências policiais (alguns dizer ser mais), dentre outros. Hoje ocorre tal medida parcialmente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e em outras cidades pelo Brasil em iniciativas isoladas (mas que têm avançado) nos delitos de menor potencial ofensivo através da elaboração do Termo Circunstanciado no local dos fatos, “sem atravessadores”, ou seja, da polícia uniformizada de rua direto para a justiça, é a desburocratização em prol do alvo dos serviços do Estado que é o cidadão. Nas polícias modernas consideradas eficientes, quer seja na América ou na Europa, as funções de policiamento uniformizado e investigação devem boa parte de seus êxitos ao trabalho contínuo da investigação, sem uma ruptura, sem que uma polícia simplesmente repasse para outra o conhecimento do crime, nessas nações não há “polícias pela metade”.
Na verdade o cidadão deseja, quando necessita da polícia, um policial que lhe atenda universalmente, ou seja, que encaminhe sua demanda, como dito, sem “atravessadores” e necessidade de reencaminhá-lo à outro órgão policial para que prossiga um atendimento que o primeiro iniciou.
A extensão do Ciclo Completo de Polícia na persecução criminal enseja inúmeros benefícios aos cidadãos na maioria dos casos, dentre eles:
(1) Atendimento ao cidadão no local da infração, não havendo a necessidade deste deslocar-se até uma delegacia ou outra repartição pública, muitas vezes situada em outra cidade;
(2) Celeridade no desfecho dos atendimentos policiais;
(3) Redução da sensação de impunidade, pois no local dos fatos todos terão conhecimento dos desdobramentos e implicações decorrentes, inclusive com o agendamento da audiência judicial nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo;
(4) Redução do tempo de envolvimento dos policiais nas ocorrências, possibilitando a ampliação de ações de caráter preventivo e não somente de resposta a solicitações;
(5) Manutenção do aparato policial em sua área de atuação; e,
(6) Economia e racionalização de meios logísticos.
Algumas cidades brasileiras tem sido um bom exemplo de como é inútil investir no atual modelo. Destacando-se essas cidades no Brasil com as melhores proporções de policiais por habitantes e tendo os melhores salários dos policiais (civis e militares), porém amargam altas taxas de violência e criminalidade.
Uma indicação dos reflexos desse cenário precário do atendimento policial ao cidadão brasileiro foi manifestada na 1ª CONSEG - Conferência Nacional de Segurança Pública, quando os gestores e trabalhadores da segurança pública juntamente com a sociedade civil foram chamados a discutir as questões ligadas à segurança pública do país elegendo como uma das diretrizes mais votadas à adoção do Ciclo Completo de Polícia.
Parece-nos que o modelo de “meias polícias” se esgotou há muito tempo, e a 1ª CONSEG se manifestou nesse sentido, e, dentre outros, o Congresso Nacional é o melhor palco para que essa importante questão seja enfrentada em seus aspectos mais fundamentais orientados para o modelo que melhor atende ao cidadão brasileiro, aprovando propostas legislativas (muitas já em tramitação) que deem agilidade ao atendimento policial refutando propostas que procuram acentuar o modelo centralizado, anacrônico e burocratizado reinante no Brasil, as quais seguem na contramão das reais necessidades da sociedade brasileira em se tratando da sua segurança.
A adoção do Ciclo Completo de Polícia na persecução criminal através da alteração do sistema legal (Constituição Federal e demais legislações), é encaminhar concretamente a solução dos problemas de segurança pública no território brasileiro, modernizando o sistema e levando, como consequência, a qualidade de vida à toda a sociedade.
Esse é o debate que deve nortear os brasileiros em todos os níveis: Governo (Executivo – Legislativo – Judiciário); trabalhadores e gestores da segurança pública; mídia e, principalmente, a sociedade civil.
O momento da mudança está chegando, vamos todos seguir esse caminho.
A mudança é possível e necessária
MARLON JORGE TEZA - Coronel PM, Presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais - FENEME.
[1] DIAS NETO, Theodomiro. Policiamento comunitário: nova polícia ou mera maquiagem in Policiamento comunitário: experiências no Brasil. São Paulo: Página Viva, 2002, p. 63
[2] BEATO, Cláudio C.. Reinventando a polícia: a implementação de um programa de policiamento comunitário in Policiamento comunitário: experiências no Brasil. São Paulo: Página Viva, 2002, p. 137.